quinta-feira, 31 de março de 2011

Jean-Jacques Rousseau 2


III – Trechos importantes da obra de Rousseau
O governo e o soberano:
“[...] ainda é preciso insistir com os leitores para que distingam claramente a economia política, de que falei e que chamo de governo, da autoridade suprema que chamo de soberania; distinção que consiste em que a segunda possui o direito legislativo, e obriga em alguns casos a nação como um todo, enquanto a primeira tem o poder executor e só pode obrigar os particulares”.
Sobre a necessidade de um poder executor das leis:
“[...] a força pública necessita de um agente próprio que ordene e que a faça funcionar segundo a direção da vontade geral, que sirva à comunicação entre o Estado e o Soberano, significando de alguma forma, na pessoa pública, o mesmo que no homem significa a união da alma e do corpo. Assim, ela é no estado a razão do Governo, confundida erroneamente com o Soberano, do qual é apenas o ministro”.
Quanto ao principio da vida:
“[...] o princípio da vida política está na autoridade Soberana. O poder legislativo é o coração do Estado, o poder executivo é o seu cérebro, que dá movimento a todas as partes. O cérebro pode ficar paralisado e o indivíduo continuar a viver ainda. Um homem se torna imbecil e continua vivo: mas assim que o coração cessa suas funções, o animal morre”.
Quando a assembleia não é convocada:
“[...] no momento em que o Povo se encontra legitimamente reunido no corpo Soberano, cessa toda jurisdição do Governo, suspende-se o poder executivo e a pessoa do último Cidadão é tão sagrada e inviolável quanto a do primeiro magistrado, porque onde se encontra o representado não há mais representante”.
Sobre que povo é própria à legislação:
“[...] aquele que, estando já ligado por qualquer laço de origem, de interesse ou de convenção, não conheceu ainda o verdadeiro jugo das leis; aquele que não tem nem costumes nem superstições bem enraizadas; aquele que não teme que possa ser arrasado por uma invasão súbita e, sem tomar parte nas querelas de seus vizinhos, pode resistir sozinho a cada um deles, ou ligar-se a um para repudiar o outro; aquele onde cada membro pode ser conhecido por todos e onde não é absolutamente forçado a sobrecarregar um homem com um fardo que ele não pode suportar; aquele que pode passar sem os outros povos e sem o qual todos os outros povos podem passar; aquele que não é rico nem pobre e pode bastar-se a si mesmo; enfim, aquele que une a consciência de um povo antigo a docilidade de um povo novo”.
A importância da educação:
“[...] dar às almas a forma nacional e dirigir de tal forma suas opiniões e seus gostos, que elas sejam patriotas por inclinação, por paixão, por necessidade. Uma criança ao abrir os olhos deve ver a pátria e até à morte nada mais deve ver além dela. Todo o verdadeiro republicano sugou com o leite de sua mãe, o amor de sua pátria, ou seja, das leis e da liberdade. Esse amor é toda sua existência: ele só vê a pátria e só vive para ela; assim que está só é nulo; assim que não tem mais pátria não existe mais; e se não está morto é ainda pior”.

O espaço público pode ser desconstruído pela força dos espetáculos:
“[...] que uma juventude lasciva vá buscar em outras terras os prazeres fáceis e o remorso profundo. Que os pretensos defensores do bom gosto busquem em outros lugares a grandeza dos palácios, a beleza dos equipamentos, os soberbos mobiliários, a pompa dos espetáculos e todos os refinamentos da ociosidade e do luxo. Em Genebra só se encontrarão homens”.
IV – Conceitos-chave
“Amor-de-si”: é o sentimento natural que todo animal tem por sua conservação, ou seja, sentimento natural e instintivo.
“Amor-próprio”: enquanto o amor-de-si é próprio do estado natural, o amor-próprio é o oposto dele, é um sentimento artificial resultante da vida em sociedade e se manifesta quando nos habituamos a nos compararmos aos outros, e a opinião destes se torna muito mais importante.
“Bondade original”: como no estado de natureza os homens viviam isolados, sem linguagem nem sentimentos, não tinham entre eles nenhuma relação moral, nenhum dever, nenhum vício ou virtude.
“Desigualdade”: há dois tipos de desigualdade, a física que diz respeito às diferentes capacidades físicas ou intelectuais do homem e a moral ou política que consiste nos diferentes privilégios que uns têm em detrimento dos outros.
“Estado de natureza”: não se trata de uma época bendita, de um estado histórico ou de uma idade de ouro bucólica. Trata-se de um paradigma, de uma hipótese para melhor compreender o que seria o homem caso fosse despojado de tudo que lhe foi acrescentado ao longo do processo de civilização.
“Felicidade”: fim de todo ser sensível, primeiro desejo impresso em nós pela natureza.
“Lei”: a lei para Rousseau é a lei civil, é a ela que os homens devem a justiça e a liberdade, uma vez que é a expressão da vontade geral. Refere-se a quatro tipos de leis: as leis políticas ou fundamentais (regem a relação do soberano com o Estado), as leis civis (regem as relações dos membros do corpo político entre si ou com o Estado), as leis criminais (sanções) e os usos e costumes.
“Legislador”: sua tarefa é dar a um povo suas instituições, escrever as leis que serão submetidas ao povo. Para levar a bom termo sua missão, não pode ter nenhum cargo executivo ou legislativo.
“Liberdade”: Há dois tipos – natural e civil. A liberdade natural é a força que por natureza todos os homens têm e cujos limites de seu exercício são suas necessidades. Já a liberdade civil é a verdadeira liberdade, pois é aquela que está presente na sociedade civil, limitada pela lei enquanto expressão da vontade geral.
“Natureza”: “A concepção de Rousseau (no século XVIII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto, pelo grito e pelo canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado de felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente, termina quando alguém cerca um terreno e diz: ‘É meu’. A divisão entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao estado de sociedade, que corresponde, agora, ao estado de natureza hobbesiano da guerra de todos contra todos”. (Marilena Chauí)
“Piedade”: paixão primitiva do homem que nele inspira uma repugnância natural pelo sofrimento dos outros.
“Povo”: conjunto dos associados de um corpo político cujos membros são cidadãos e súditos.
“Soberano”: é o oposto da noção de monarca, designa o corpo político enquanto composto de cidadãos.
“Vontade geral”: fundamento da soberania do Estado e da autoridade política legítima. Ao decidir o interesse de todos, é o interesse particular que ele visa, mas não se trata da vontade de um indivíduo ou de um grupo.
V – “Somos descendentes diretos do séc. XVIII, que prepara e anuncia o Mundo Contemporâneo.” (Hobsbawn)
O século XVIII, século das luzes, foi o momento em que a razão cartesiana foi colocada em prática. Vários conceitos e ideias de inúmeros pensadores formaram a base do pensamento que adentrou a modernidade.
Um exemplo desse “perpassar aprimorado” da razão é o próprio Rousseau. Alguns líderes da Revolução Francesa, como Robespierre e Sain-Just, apropriaram-se das concepções de Rousseau como as de liberdade e igualdade para legitimar os objetivos, metas e métodos dos revolucionários. Seus pensamentos, ele já morto, eram transmitidos em forma de panfletos. Ou seja, sua forma de pensar foi transmitida a todas as pessoas possíveis e fora fundamento legitimador da revolução. Na contemporaneidade liberdade e igualdade são conceitos que adentraram a cultura ocidental; eles estão na base do direito atual.
Ademais pensemos o conceito de povo, este que até os nossos dias ainda é empregado. Esse conceito designa um conjunto de associados de um corpo político, eles são cidadãos. O conceito de legislador, aquele que escreve leis; hoje, com o nome de poder legislador, é exercido dentro do corpo administrativo do Estado contemporâneo. O contrato social é vivo em nosso meio, pois pertencemos a uma sociedade civil.
Estes e outros conceitos de Rousseau estão empregados em nossa contemporaneidade. Por isso podemos afirmar, como Hobsbawn, que somos descendentes do século XVIII, pois suas ideias, pensamentos e conceitos estão presentes no Estado atual. Esses pensamentos abriram as portas da contemporaneidade e permanecem nela.

Jean-Jacques Rousseau

Rousseau
“Eu custei a vida à minha mãe e meu nascimento foi o primeiro dos meus males.”
I – Cronologia
1712 – Jean-Jacques Rousseau nasce em Genebra, no dia 28 de junho.
1719 – É publicado o Robinson Crusoé de Daniel Defoe, que expressa um dos traços fundamentais do pensamento de Rousseau.
1722 – Rousseau passa a estudar na casa do ministro Lambercier, em Bossey. Rameau publica o Tratado de Harmonia e Bach compõe o Cravo Bem Temperado.
1728 – Rousseau foge de Genebra, encontra a Sra. De Warens e converte-se ao catolicismo em Turim.
1740 – Torna-se preceptor, mas não consegue bons resultados como pedagogo. Richardson publica o romance Pamela e Satã.
1742 – Rousseau chega a Paris, em busca de sucesso. D’Alembert redige o Tratado de Dinâmica.
1745 – Rousseau liga-se a Thérèse Levasseur, com a qual passará toda a vida e terá cinco filhos.
1749 – Rousseau redige o Discurso sobre as Ciências e as Artes.
1752 – O “intermezzo” operístico de Rousseau, O Adivinho da Aldeia, é encenado em Fontainebleau. A Enciclopédia, redigida por Diderot, é condenada pela primeira vez.
1754 – Rousseau visita Genebra e volta ao protestantismo. O filósofo Condillac publica o Tratado sobre as Sensações.
1755 – Rousseau publica os discursos Sobre a Origem da Desigualdade e Sobre aEconomia Política.
1956 – Passa a morar no Ermitage e começa a escrever o romance A Nova Heloísa.
1757 – Escreve o Emílio e o Contrato Social. A mania de perseguição começa a apresentar os primeiros sintomas.
1762 – O Contrato Social e o Contrato Social são condenados pelas autoridades, e Rousseau é perseguido, refugiando-se em Neuchâtel.
1764 – Redige um Projeto de Constituição para a Córsega e as Confissões.
1765 – É obrigado a deixar Neuchâtel e refugia-se na Inglaterra, junto a David Hume; desconfia do amigo e sente-se cada vez mais alvo de conspirações.
1767 – Volta à França, casa-se com Thérèse Levasseur e publica o Dicionário de Música.
1771 – Escreve as Considerações sobre o Governo da Polônia. Para justificar-se de ataques, alguns reais, outros imaginários, compõe os Diálogos – Rousseau, Juiz de Jean-Jacques.
1776 – Escreve os Devaneios de um Caminhante Solitário.
1778 – Falece em 2 de julho e é enterrado na ilha dos Choupos, em Emenonville. Durante a Revolução Francesa, seus restos mortais serão colocados no Panteão.

                                                            
II – Sobre a filosofia de Rousseau.
Sua originalidade não está na pergunta, mas na resposta que ele faz: o homem perde sua liberdade porque se distanciou de sua natureza original, isto é o homem ao sociabilizar-se, tornou-se um animal depravado ao deixar sua condição natural na qual não havia liberdade sem igualdade.
Questionava a possibilidade de conciliação entre a liberdade absoluta que a natureza dera aos homens e a obediência à lei. Ele procurou responder à passagem do estado de natureza ao estado de sociedade, essa passagem é concebida por meio de raciocínios hipotéticos e não de um recuo histórico factual. O estado de natureza se trata de “um estado que não mais existe, que talvez jamais tenha existido, que provavelmente jamais existirá”, portanto, ele não é cronologicamente anterior ao estado de sociedade. No estado de natureza homem e animal se aproximam na luta pela sobrevivência, vivem apenas para conseguir alimento, repouso e acasalamento. Para ele somente o livre-arbítrio distingue os homens dos animais, também, sua potencial capacidade de aperfeiçoar-se (perfectibilidade) desenvolve o homem.
Nessa potência é que está a origem da desnaturação do homem natural e a origem de sua degradação. Quanto a esses homens, ele diz: “viviam livres, sãos, bons e felizes tanto quanto podiam sê-lo por sua natureza e continuariam a usufruir das doçuras de um comércio independente”.
Pra ele a propriedade não é um direito natural, mas um roubo. O fundamento dos estados de sociedade é a alienação da liberdade de uns à força dos outros e visa conservar apenas a injustiça e a desigualdade entre ricos e pobres, entre os fortes e os fracos, pois seria uma ideia extravagante afirmar que estes alienaram voluntariamente sua liberdade em troca de proteção. Para ele acreditar em uma submissão natural é defender algo contrário à natureza e à razão. A perda do direito natural decorre, necessariamente, do falso contrato.
O despotismo é um estado de guerra, onde se instaura muito mais a corrupção e a degeneração. Nele o direito do mais forte é o absoluto. Para que a verdadeira natureza seja recuperada, é necessário um outro contrato social, garantidor da liberdade e da igualdade dos homens. Este é o objetivo do Contrato Social. Ele indica que é preciso que a liberdade originária adquira uma nova natureza e se transforme em liberdade civil. Para o pensador a sociedade é uma comunidade de cidadãos, todos membros do corpo social e todos visam ao bem comum.
O pacto social não é uma alienação da liberdade dos indivíduos a qualquer entidade política, posto que a liberdade é inalienável e “ renunciar à sua liberdade é renunciar à sua condição de homem”. O liame social é entendido em Rousseau como: “aquilo que há de comum” nos diferentes interesses particulares.
Para ele, o “Legislador”, “é um homem extraordinário no Estado. Se deve sê-lo pelo gênio, não é o mesmo pela sua função. Não se trata de magistratura, menos ainda de soberania”. Este homem não pode ter nenhum poder legislativo, uma vez que pertence ao povo, e nem ele querendo não pode despojar-se “desse direito incomunicável, porque, segundo o pacto, só a vontade geral obriga os particulares, e só podemos assegurar-nos que uma vontade particular esteja conforme a vontade geral, depois de tê-la submetido aos sufrágios livres do povo”.
A arte humana criou o Estado; este que não vive através das leis, mas através da soberania; o povo soberano reunido garante a vida do corpo político ao recriar continuamente o momento da sua constituição. Sem frequentes reuniões do povo, a soberania não se mantém. Só as assembleia do povo reunido mantêm viva a sua alma. Rousseau afirma que para manter a integridade e a autenticidade do Estado faz-se necessário o recurso à religião civil. A religião civil é antes de tudo útil ao Estado e tem como objetivo fortalecer “a sanidade do contrato social”. Seus dogmas são positivos quando “enunciados com precisão, sem explicações nem comentários. A existência Divina potência, inteligente, benfeitora, prevendo e prevenindo a vida futura, a felicidade dos justos, o castigo dos maus, a santidade do Contrato social e da Leis”.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Johannes Kepler (1571 – 1630)


A história deste astrônomo se mistura com seu trabalho e suas invenções. Sua vida familiar foi um desastre. Criou uma Teoria Teológica: a paz entre as religiões; que foi recusada pelos luteranos de seu tempo. Ele escrevia em estilo barroco. Era um dos poucos que defendia Copérnico (articulador do sistema heliocêntrico). Foi um dos poucos que aceitou e defendeu a Galileu Galilei (matemático e considerado o pai da ciência moderna).
Adentraremos agora na obra “Mysterium Cosmographicum” (1956) e o pensamento kepleriano. Kepler aceita o sistema heliocêntrico. Mas utiliza os cinco poliedros regulares da geometria para desenvolver sua tese. O que ele buscava era uma razão que justificasse as distâncias de cada planeta ao Sol. Procedia a priori (plano metafísico). Tentava explicar como Deus criou o mundo segundo uma ordem geométrica, servindo-se dos cinco poliedros sólidos regulares. Depois descobriu suas teorias a posteriori; comprovando o que era posto a priori. Nos primeiros vinte capítulos preocupou-se de descobrir as razões da distribuição espacial (afirmada) e do número de planetas (negada). Depois tentou estabelecer uma relação matemática entre a distância de um planeta ao Sol e o intervalo de tempo gasto para completar uma revolução (retorno dum astro ao mesmo ponto do céu) ao redor do astro. Ele substituiu a palavra ‘alma’ (anima matrix – espírito movente) por ‘força’ (vis matrix – força movente).
Mas como falar de Kepler sem falar de Tycho Brahe (astrônomo e amigo de Kepler). Ele acreditava ser importante uma observação sistemática e no aperfeiçoamento dos instrumentos para a melhor observação dos “fenômenos” (Kant uns séculos depois). Suas observações, ao longo dos anos, do planeta Marte, permitiram a Kepler a descoberta das Leis do Movimento Planetário. Tycho ao analisar um evento de uma supernova, demonstrou ser o céu mutável; desta maneira colocou por terra a doutrina da Corrupção cósmica, que se limitava a esfera sublunar. Algum tempo depois, Brahe, com a passagem de um cometa em 1577, demonstrou que o astro estava seis vezes mais distante da Terra do que a Lua; com isso, ele, golpeou outra concepção aristotélica: de que os cometas estariam situados no mundo sublunar. Através de suas observações encontrou erros nas Tábuas Afonsinas e nas Tábuas Prussianas. Daí nasceu a ideia das Tábuas Rodolfinas, concluídas por Kepler em 1622 e publicadas em 1927. Tycho inventou e aperfeiçoou vários instrumentos, viajou para vários lugares da Europa e visitou muitos astrônomos, construiu um laboratório (Uraniburgo), construiu um observatório (Estrelaburgo). E foi na Boêmia é que Tycho começou a trabalhar e a brigar com Kepler.
Kepler se tornou “Mathematicus Imperialis”. Este período foi pós-falecimento de Tycho, assumindo seu lugar, até o falecimento de Rodolfo II. Ele criou duas Ciências novas: Óptica Instrumental e a Astronomia Física. Deduziu que cada planeta deveria estar sob a influência de duas ações em conflito: a força do Sol e uma outra, situada no próprio planeta. Algumas de suas inovações foram: tratar o Sol como o centro de seu sistema, tanto física quanto geometricamente; considerava que as órbitas de todos os planetas encontravam-se aproximadamente num mesmo plano que continha o Sol, sem que esses “oscilem” no espaço; o abandono da ideia de movimento uniforme; somente a precisão era admissível; descobriu que ora os planetas se deslocam mais rápido e ora mais lentos, dependendo da distância do Sol. desenvolveu a lei de que a luz enfraquece em relação ao inverso do quadrado da distância. Produziu duas analogias sobre o Sol, enquanto papel motor: o Sol como uma grande fonte de luz; o Sol como um ímã que atraí para si os planetas.
Na obra “Harmonice Mundi”, Kepler, concebe o cosmos como obra de harmonia, onde as proporções geométricas estão por toda a parte. Também desenvolve as Leis de Kepler: a primeira lei é que os planetas descrevem órbitas elípticas em torno do Sol, ocupando este um dos focos da elipse; a segunda lei é que as áreas varridas pelo segmento imaginário que une o centro do Sol ao centro do planeta são proporcionais aos tempos gastos em varrê-las; a terceira lei é que o quadrado do período de revolução dos planetas é proporcional ao cubo de sua distância média do Sol.
Algumas observações sobre Kepler e sua obra podem ser feitas; como: “Kepler abandonou Copérnico durante sua pesquisa para estabelecer uma nova Ciência, explicando os movimentos fisicamente; e, na verdade, nos ofereceu assim o primeiro livro-texto de Mêcanica Celeste (Ronaldo Rogério de Freitas Mourão); cada obra de Kepler acrescenta mais a sua teoria inicial, de que o Sol é o centro do universo; respeita seus antecessores, é fiel a tradição, mas os supera, tanto que chega a revolucionar e descobrindo todo um sistema, ou seja, seu sistema se torna “mais quase-verdadeiro” que os demais; Kepler é um revolucionário, tanto que ao demonstrar um novo sistema, demonstra um novo conhecimento e passa a ser uma base importante para Newton que descubra suas leis.
Estes são alguns elementos sobre a vida de Kepler para saber mais eu aconselho a leitura de: FREIRE-MAIA, Newton. Verdades da ciência e outras verdades, a visão de um cientista. São Paulo: UNESP, 2008. MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Kepler: a descoberta das leis do movimento planetário. São Paulo: Odysseus, 2003. WHITEREAD, Alfred North. A ciência e o mundo moderno. São Paulo: Paulus, 2006.

Nietzsche


A CRÍTICA A CRÍTICA DE NIETZSCHE.
                              
Depois de perpassar a filosofia nietzscheana e observar a forma como ele critica a religião cristã. Devem-se abrir os horizontes para o pano de fundo de sua filosofia com uma crítica a seus fundamentos. Com isto faz-se necessário analisar quatro pontos à luz de uma perspectiva crítica sobre sua filosofia. Perpassa-se aqui a morte de Deus, a moral do guerreiro, a gênese da moral de Nietzsche e a moral como religiosidade. A partir destas críticas e análises se constrói o que se denomina crítica a crítica de Nietzsche.
O Deus que o cristianismo prega, para Nietzsche, morreu. Porém o que se percebe dentro de sua perspectiva não é a morte de Deus; mas a sua não assimilação; ou seja, pode-se dizer o Deus cristão morreu na cruz. O próprio Nietzsche afirma a existência de apenas um cristão, Jesus, e este morreu na cruz (ZILLES, 2009. p. 167 – 168.). Esta noção pertence a Urbano Zilles , a qual se torna nesta empreitada como guia para tal desconstrução da desconstrução nietzscheana; claro visa-se uma nova construção com os escombros deixados por nosso filósofo. Jesus é o único cristão, afinal, somente Ele viveu o que pregou. Ele viveu a verdadeira moral. Os demais cristãos reproduzem o pensamento e as vivências de Jesus dentro de seus limites humanos. Deus morreu em uma cruz; isto é verdade, o que restou d’Ele foram lembranças de seus seguidores. Ser seguidor é imitar e percorrer o caminho do mestre. Porém ser cristão é fazer isso a partir do seu ser humano, livre. Liberdade de acreditar na morte de Deus é abertura para a verdadeira distância que está da compreensão humana para Deus. Jesus é cristão; os demais são seguidores do cristão. Sendo assim, autodenominar-se cristão é perder o norte; em outras palavras, esquecer que o humano é um entre o Além-homem e o animal; é incompleto. Quando se denomina cristão ele diz: “eu sou de Jesus”. Em verdade o cristão se pode dizer de si próprio assim, porém ele deve ao dizer isso pensar: “eu sou seguidor do cristão”.
Toma-se esta perspectiva porque apenas Jesus é capaz de viver o que viveu. O humano só pode viver, no máximo, o humano que se espelhou em Jesus. Dizer Deus morreu é dizer Deus está para além de mim, tão além que não necessita ser n’Ele e em seus ensinamentos que o sujeito poderia buscar recriar um mundo. O cristianismo impera sob as normas; mas o amor é defunto nesta relação. Se o amor é o finado como se pode dizer que se é de Cristo; afinal matou-se o amor por meio de obrigações, normas, leis... A crítica de Nietzsche ao cristianismo se encontra presente desta forma em sua obra:
Chamo o cristianismo a única grande calamidade, a única grande perversão interna, o único grande instinto de ódio, que não encontra meios bastante venenosos, suficientemente subterrâneos, bastante pequenos; o título, única e imortal desonra da humanidade. (NIETZSCHE, s/d. p. 116.).

Depois desta análise da morte de Deus abri-se no leque da crítica o segundo momento: a moral do guerreiro (NIETZSCHE, Crepúsculo dos Ídolos. 1978. p. 340 – 341.). Ela é luz no crepúsculo da vida. Essa moral é prática e fundamental. O guerreiro só é guerreiro quando tem que ser; porém sua habilidade de bom guerreiro é trabalhada por ele por muito tempo (Idem, p. 341.); é no cotidiano, é um modo de vida. Ele é fiel, vai até a morte, acredita na causa, lança-se com tudo aquilo que ele é naquele momento crucial de seu ser, a guerra. O bom guerreiro não por crueldade, mas sim por uma necessidade de levantar a bandeira que se defende. Ele é a espada do Rei; carrega a vida e a morte nas mãos; porém é responsável por elas. O guerreiro reconhece o valor no outro, tanto no companheiro quanto no inimigo, e ele diz: “este é um homem que luta pelo que acredita”. Ele carrega a justiça de um reino e se dá por inteiro na luta até a morte por um povo, por um reino, por um rei, por uma verdade, por uma crença, por uma causa, por um ideal. Isto é a moral nietzscheana do guerreiro; ela está para além do bem e do mal.
Na força da moral do guerreiro esta empreitada vê à luz da gênese da moral nietzscheana, que é liberdade (Idem, p. 340 – 342.). Ela é o que mais ou menos “o cristão pregou” e, não o que o cristianismo prega. Na verdade o bem de Nietzsche é uma correção dos preceitos morais que a cristandade prega. Acabava que na época de Nietzsche o cristianismo não tinha vivido as reviravoltas contemporâneas e o cristianismo ainda possuía uma moral que por inúmeras vezes agredia o corpo e a mente (Idem, p. 333 – 335.). Exemplos disso são: para o pecado o corpo recebia as disciplinas; a mente era repreendida por uma moral repressora da sexualidade. Muito disso, moral cristã, ainda se faz presente na cristandade. A gênese da moral nietzscheana é uma crítica a moral “desumanizante”, repressora, pregada pelos cristãos. A moral cristã controlava e causava sofrimento sobre seus adeptos; ela acaba sendo negativa, “desumanizante”. Com isso, Nietzsche, chama a atenção da cristandade para seus próprios defeitos, seus problemas, de forma crítica. Ele quer o bom, o bem, o melhor para o humano. Aquilo que causa sofrimento ao homem não é bom. Mas aquilo que liberta o homem é o bom, é o bem. O cristianismo, segundo Nietzsche, é um “platonismo das massas” (ZILLES, 2009. p. 166.). Com esta afirmativa percebe-se que o cristianismo perdeu muito de sua raiz não só porque só houve um cristão, mas, também, por ter se vincular a filosofia platônica por meio de Santo Agostinho. Como já se disse: “cristão houve apenas um e ele morreu na cruz”. Porém o resto do cristianismo que nasceu daí se intoxicou com a razão da filosofia platônica. A razão é um dos pontos fundamentais da crítica nietzscheana, afinal, ele, afirma que a razão exclui, a razão entorpece, a razão não contempla o humano (NIETZSCHE, Crepúsculo dos Ídolos. 1978. p. 329 – 333). Ou seja, a razão universaliza e, assim, ela destitui o que está fora do conceito. Toma esse conceito como verdade absoluta e exclui o resto que circunda o conceito. O resto que Nietzsche toma como algo necessário ao conhecimento e a vida. Nisso percebe-se que a gênese moral de nosso filósofo é uma crítica as estruturas básicas do cristianismo, assim como, da razão.
A moral nietzscheana tem um lado religioso, afinal tira o centralismo de Deus e coloca o homem; instância de conhecimento no mundo (ZILLES, 2009. p. 171 – 173.). Com a tese do Além-homem o transcendental surge como horizonte do homem no homem. Este está acima dos animais, porém necessita da morte de Deus para ascender ao Além-homem; este se põe no lugar de deus como horizonte do humano. Além-homem (NIETZSCHE, Assim falava Zaratustra. p. 60.) é a instância sobrenatural para onde o homem desloca sua vida. É uma necessidade de o humano ir ao divino. O homem é abertura ao divino e em Nietzsche essa abertura se dá na superação de Deus e na colocação do homem em seu lugar como Além-homem. Esse contempla a liberdade, a bondade, o melhor para o ser humano ser o melhor que conseguir ser.
Nada se pode dizer de Nietzsche sem tocar no cristianismo e na filosofia antiga. Nosso filósofo bebe nestas raízes e critica com sabedoria o que de negativo está presente dentro das duas situações. Porém Jesus é intocável nas obras de Nietzsche; enquanto isso o cristianismo sim, praticamente, sua crítica é ferrenha e voraz. Com a filosofia antiga, assim como, com a moral cristã, radicalmente, negativa, ele propõe um abandono total. Tudo aquilo que prejudica o homem deve ser deixado de lado ou, simplesmente, banido para todo o sempre. Deve-se construir uma moral boa, a melhor que se possa criar. Claro, com o horizonte de uma elevação do humano a um status de realizado neste mundo. Jesus tem uma vida que reflete, bem diferentemente do que prega o cristianismo da época de Nietzsche, boa. Portanto, Nietzsche, tem dentro de sua filosofia valores cristãos que se aproximam do cristão e, ele, tenta extrair o positivo de Jesus, não só para criticar o negativo do cristianismo, assim como, para colocar o homem no lugar que ele deve assumir. Nietzsche é filho de um mundo cristão que vive uma crise e é dentro dele que está a sua crítica (LEFRANC, 1997.). A morte de Deus é abertura do humano. No final a crítica é uma forma de apontar para a revelação dos problemas cristãos e de sua “má-moral” e, assim, construir uma “boa moral”. Nietzsche quer o melhor para o humano custe o que custar.

Renascimento

O Renascimento tem a ver diretamente conosco. Primeiro por sua origem enquanto palavra; segundo por sua localização na história; terceiro pela herança que nos deixou. Tudo isso está em nós. Na verdade cada período da história está em nós. Mas esta época tem um sentido muito especial de existir em nós; não só porque está mais próxima de nosso tempo, mas porque seus elementos essenciais ainda vivem em nós.

                   O Renascimento tem sua origem religiosa, esta que significa um segundo nascimento, o nascimento do homem novo ou espiritual de quem falam o Evangelho de João e as epístolas de São Paulo. Mas, a partir do século XV essa palavra começou a ser empregada para designar a renovação moral, intelectual e política decorrente do retorno aos valores da civilização em que, supostamente, o homem teria obtido suas melhores realizações: a greco-romana.
                   O Renascimento está localizado entre o período medieval e o período moderno, ou seja, está no meio de duas formas diferentes de pensamento. Os medievais que viviam em torno à transcendência pregada e explicada pela teologia católica e, os modernos que viviam em torno à imanência pregada pela ciência e filosofia modernas. Segundo Burckhardt, o Renascimento seria, portanto, uma época que viu surgir uma nova cultura, oposta à medieval. Ela é um espírito novo que, rompendo definitivamente com o espírito da época medieval inaugurou a época moderna.
                   Podemos perceber dois pensamentos em conflito o “construído” e o “em construção”. O pensamento “construído” é o medieval; este tinha uma visão da totalidade finita e observável, ou seja, o universo era finito e só se poderia contemplar o que já existia. O pensamento “em construção” é o moderno; este ainda estava em seu princípio no Renascimento; mas nos revelará um mundo infinito e possível de intervenção, ou seja, o universo é infinito e sim, se pode interferir no que existe. Este novo pensamento mantém-se até hoje.
                   Esse período abre as portas de um novo tempo, uma nova maneira de encarar o mundo e uma nova forma do homem pensar-se no mundo. Ele inaugura a modernidade e começa a moldar o novo pensamento ocidental. Percebe-se que, hoje, o Renascimento influencia a forma com que nos relacionamos com o mundo, a subjetividade, o “eu”. Apresenta-nos uma nova matemática, física, ciência... que vão se ocupar do empírico. Um conhecimento que leva em conta a noção de infinito, de interferir na ordem da natureza e etc.
                   O Renascimento, para mim, é como o despertar de um adolescente; nasce revoltado com a “realidade” existente e tenta mudá-la com uma nova forma de conhecimento; esta que dura até hoje, a ciência moderna. Período que faz nascerem todas as reflexões modernas, essas que duram até o nosso tempo. Essa época é o nascimento de uma nova forma de encarar o universo, a vida, a experiência, o conhecimento, a realidade... que dura até agora. Somos filhos do Renascimento. Se ele não tivesse existido nossa sociedade não teria chegado ao patamar que nos encontramos. Ele não está só no passado, ele ainda é o nosso presente; claro está por debaixo, nas raízes, do que chamamos contemporaneidade.
                   Mesmo que algum dia mudássemos de direção, mesmo assim teríamos nas veias de nossa atualidade o DNA do Renascimento. Ele surgiu para mudar a nossa história e nos elevar ao plano da modernidade. Esse período é o que nos constituiu enquanto modernos e nos constitui enquanto contemporâneos; ou seja, se hoje somos o que somos é porque bebemos a água na fonte da modernidade brotada da nascente do Renascimento.