A CRÍTICA A CRÍTICA DE NIETZSCHE.
Depois de perpassar a filosofia nietzscheana e observar a forma como ele critica a religião cristã. Devem-se abrir os horizontes para o pano de fundo de sua filosofia com uma crítica a seus fundamentos. Com isto faz-se necessário analisar quatro pontos à luz de uma perspectiva crítica sobre sua filosofia. Perpassa-se aqui a morte de Deus, a moral do guerreiro, a gênese da moral de Nietzsche e a moral como religiosidade. A partir destas críticas e análises se constrói o que se denomina crítica a crítica de Nietzsche.
O Deus que o cristianismo prega, para Nietzsche, morreu. Porém o que se percebe dentro de sua perspectiva não é a morte de Deus; mas a sua não assimilação; ou seja, pode-se dizer o Deus cristão morreu na cruz. O próprio Nietzsche afirma a existência de apenas um cristão, Jesus, e este morreu na cruz (ZILLES, 2009. p. 167 – 168.). Esta noção pertence a Urbano Zilles , a qual se torna nesta empreitada como guia para tal desconstrução da desconstrução nietzscheana; claro visa-se uma nova construção com os escombros deixados por nosso filósofo. Jesus é o único cristão, afinal, somente Ele viveu o que pregou. Ele viveu a verdadeira moral. Os demais cristãos reproduzem o pensamento e as vivências de Jesus dentro de seus limites humanos. Deus morreu em uma cruz; isto é verdade, o que restou d’Ele foram lembranças de seus seguidores. Ser seguidor é imitar e percorrer o caminho do mestre. Porém ser cristão é fazer isso a partir do seu ser humano, livre. Liberdade de acreditar na morte de Deus é abertura para a verdadeira distância que está da compreensão humana para Deus. Jesus é cristão; os demais são seguidores do cristão. Sendo assim, autodenominar-se cristão é perder o norte; em outras palavras, esquecer que o humano é um entre o Além-homem e o animal; é incompleto. Quando se denomina cristão ele diz: “eu sou de Jesus”. Em verdade o cristão se pode dizer de si próprio assim, porém ele deve ao dizer isso pensar: “eu sou seguidor do cristão”.
Toma-se esta perspectiva porque apenas Jesus é capaz de viver o que viveu. O humano só pode viver, no máximo, o humano que se espelhou em Jesus. Dizer Deus morreu é dizer Deus está para além de mim, tão além que não necessita ser n’Ele e em seus ensinamentos que o sujeito poderia buscar recriar um mundo. O cristianismo impera sob as normas; mas o amor é defunto nesta relação. Se o amor é o finado como se pode dizer que se é de Cristo; afinal matou-se o amor por meio de obrigações, normas, leis... A crítica de Nietzsche ao cristianismo se encontra presente desta forma em sua obra:
Chamo o cristianismo a única grande calamidade, a única grande perversão interna, o único grande instinto de ódio, que não encontra meios bastante venenosos, suficientemente subterrâneos, bastante pequenos; o título, única e imortal desonra da humanidade. (NIETZSCHE, s/d. p. 116.).
Depois desta análise da morte de Deus abri-se no leque da crítica o segundo momento: a moral do guerreiro (NIETZSCHE, Crepúsculo dos Ídolos. 1978. p. 340 – 341.). Ela é luz no crepúsculo da vida. Essa moral é prática e fundamental. O guerreiro só é guerreiro quando tem que ser; porém sua habilidade de bom guerreiro é trabalhada por ele por muito tempo (Idem, p. 341.); é no cotidiano, é um modo de vida. Ele é fiel, vai até a morte, acredita na causa, lança-se com tudo aquilo que ele é naquele momento crucial de seu ser, a guerra. O bom guerreiro não por crueldade, mas sim por uma necessidade de levantar a bandeira que se defende. Ele é a espada do Rei; carrega a vida e a morte nas mãos; porém é responsável por elas. O guerreiro reconhece o valor no outro, tanto no companheiro quanto no inimigo, e ele diz: “este é um homem que luta pelo que acredita”. Ele carrega a justiça de um reino e se dá por inteiro na luta até a morte por um povo, por um reino, por um rei, por uma verdade, por uma crença, por uma causa, por um ideal. Isto é a moral nietzscheana do guerreiro; ela está para além do bem e do mal.
Na força da moral do guerreiro esta empreitada vê à luz da gênese da moral nietzscheana, que é liberdade (Idem, p. 340 – 342.). Ela é o que mais ou menos “o cristão pregou” e, não o que o cristianismo prega. Na verdade o bem de Nietzsche é uma correção dos preceitos morais que a cristandade prega. Acabava que na época de Nietzsche o cristianismo não tinha vivido as reviravoltas contemporâneas e o cristianismo ainda possuía uma moral que por inúmeras vezes agredia o corpo e a mente (Idem, p. 333 – 335.). Exemplos disso são: para o pecado o corpo recebia as disciplinas; a mente era repreendida por uma moral repressora da sexualidade. Muito disso, moral cristã, ainda se faz presente na cristandade. A gênese da moral nietzscheana é uma crítica a moral “desumanizante”, repressora, pregada pelos cristãos. A moral cristã controlava e causava sofrimento sobre seus adeptos; ela acaba sendo negativa, “desumanizante”. Com isso, Nietzsche, chama a atenção da cristandade para seus próprios defeitos, seus problemas, de forma crítica. Ele quer o bom, o bem, o melhor para o humano. Aquilo que causa sofrimento ao homem não é bom. Mas aquilo que liberta o homem é o bom, é o bem. O cristianismo, segundo Nietzsche, é um “platonismo das massas” (ZILLES, 2009. p. 166.). Com esta afirmativa percebe-se que o cristianismo perdeu muito de sua raiz não só porque só houve um cristão, mas, também, por ter se vincular a filosofia platônica por meio de Santo Agostinho. Como já se disse: “cristão houve apenas um e ele morreu na cruz”. Porém o resto do cristianismo que nasceu daí se intoxicou com a razão da filosofia platônica. A razão é um dos pontos fundamentais da crítica nietzscheana, afinal, ele, afirma que a razão exclui, a razão entorpece, a razão não contempla o humano (NIETZSCHE, Crepúsculo dos Ídolos. 1978. p. 329 – 333). Ou seja, a razão universaliza e, assim, ela destitui o que está fora do conceito. Toma esse conceito como verdade absoluta e exclui o resto que circunda o conceito. O resto que Nietzsche toma como algo necessário ao conhecimento e a vida. Nisso percebe-se que a gênese moral de nosso filósofo é uma crítica as estruturas básicas do cristianismo, assim como, da razão.
A moral nietzscheana tem um lado religioso, afinal tira o centralismo de Deus e coloca o homem; instância de conhecimento no mundo (ZILLES, 2009. p. 171 – 173.). Com a tese do Além-homem o transcendental surge como horizonte do homem no homem. Este está acima dos animais, porém necessita da morte de Deus para ascender ao Além-homem; este se põe no lugar de deus como horizonte do humano. Além-homem (NIETZSCHE, Assim falava Zaratustra. p. 60.) é a instância sobrenatural para onde o homem desloca sua vida. É uma necessidade de o humano ir ao divino. O homem é abertura ao divino e em Nietzsche essa abertura se dá na superação de Deus e na colocação do homem em seu lugar como Além-homem. Esse contempla a liberdade, a bondade, o melhor para o ser humano ser o melhor que conseguir ser.
Nada se pode dizer de Nietzsche sem tocar no cristianismo e na filosofia antiga. Nosso filósofo bebe nestas raízes e critica com sabedoria o que de negativo está presente dentro das duas situações. Porém Jesus é intocável nas obras de Nietzsche; enquanto isso o cristianismo sim, praticamente, sua crítica é ferrenha e voraz. Com a filosofia antiga, assim como, com a moral cristã, radicalmente, negativa, ele propõe um abandono total. Tudo aquilo que prejudica o homem deve ser deixado de lado ou, simplesmente, banido para todo o sempre. Deve-se construir uma moral boa, a melhor que se possa criar. Claro, com o horizonte de uma elevação do humano a um status de realizado neste mundo. Jesus tem uma vida que reflete, bem diferentemente do que prega o cristianismo da época de Nietzsche, boa. Portanto, Nietzsche, tem dentro de sua filosofia valores cristãos que se aproximam do cristão e, ele, tenta extrair o positivo de Jesus, não só para criticar o negativo do cristianismo, assim como, para colocar o homem no lugar que ele deve assumir. Nietzsche é filho de um mundo cristão que vive uma crise e é dentro dele que está a sua crítica (LEFRANC, 1997.). A morte de Deus é abertura do humano. No final a crítica é uma forma de apontar para a revelação dos problemas cristãos e de sua “má-moral” e, assim, construir uma “boa moral”. Nietzsche quer o melhor para o humano custe o que custar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário